Responsabilidade Social Empresarial e do Cidadão

Juíza Sônia Amaral

Juíza Sônia Amaral

(*) Sônia Maria Amaral Fernandes Ribeiro

A partir da década de 1950, notadamente nos Estados Unidos e na França, teve início o debate sobre a responsabilidade das empresas, visando explicitar se estas só tinham responsabilidade em relação aos seus acionistas ou donos, na obtenção de lucros, ou se, para além disso, deviam se preocupar com os aspectos sociais das suas atividades.

Desse debate saiu vencedora a tese de que as empresas têm sim responsabilidade social, o que indica que as suas gestões devem atentar não só para o lucro, mas também ter compromisso com a ética, a transparência, o desenvolvimento sustentável, a qualidade dos produtos e serviços, a contribuição para o desenvolvimento da comunidade, a remuneração adequada dos funcionários, a coibição de qualquer prática discriminatória, o investimento em segurança do trabalho etc.

Contudo, como demonstra o título do artigo, não quero limitar-me à responsabilidade das empresas, quero discutir ainda a responsabilidade dos cidadãos. Afinal, como destaca Bobbio, vivemos a “era dos direitos” e acabamos por esquecer as nossas responsabilidades para com a sociedade. Noutras palavras, assim como hoje é inconteste que as empresas têm responsabilidade social, para mim não restam dúvidas que o cidadão, nessa nova sociedade, é detentor do mesmo tipo de responsabilidade.

Porém, como o termo tem uma abrangência muito ampla, vou limitar-me à questão da “contribuição para o desenvolvimento da comunidade”, como responsabilidade da empresa e do cidadão. E minha opção, digo de plano, tem uma justificativa: a discussão exaustiva que escutei no rádio e li em blogs nas últimas semanas sobre a doação oferecida por uma cidadã de posses, cujo pai é dono de vários empreendimentos no ramo da construção civil, no sentido de ajudar na melhoria das instalações do Hospital Socorrão.

Minha perplexidade se deu em face da quantidade de posicionamentos contrários ao ato de doação, ora afirmando que a manutenção do hospital é papel exclusivo do Poder Público; ora fazendo ilações sobre as intenções reais da doadora. Diante dessas reações, a meu juízo irrefletidas, tenho três suposições: que falta cultura filantrópica ao povo brasileiro; que os do contra são os mesmos que depredam o patrimônio público, por ter noção equivocada do que signifique isso; ou as críticas de alguns derivam de motivações pouco republicanas, que até nessas horas prefere o “quanto pior melhor”.

A primeira hipótese encontra amparo nos números, que apontam que o cidadão americano gasta anualmente com filantropia, em média, R$780,00 (setecentos e oitenta reais), enquanto a média brasileira é de R$23,00 (vinte e três reais). Claro que temos de levar em conta o maior poder aquisitivo do cidadão americano, mas é forçoso concluir que a discrepância é muito grande e, mesmo entre os milionários brasileiros, o número dos que fazem doações expressivas é substancialmente menor. Em suma, a questão cultural, que entende que o governo deve fazer tudo sozinho, já que pagamos impostos e pronto, parece ser dominante na nossa população.

Quanto a possíveis interesses inconfessáveis da doadora e seu pai empresário, como não tenho relação de amizade com nenhum dos dois, não tive condições de questioná-los sobre suas motivações, e, se tivesse, não perguntaria, pois seria indelicada. Mas, salvo melhor juízo, quero crer que foram as melhores, uma vez que, por principio constitucional, todos são inocentes, até prova em contrário.

Ademais, em termos empresariais, ninguém pode ser hipócrita de afirmar que a motivação exclusiva da empresa que pratica responsabilidade social, nos termos ora abordados, seja tão somente o bem estar do próximo, por mais solidário e consciente que seja o empresário. É legitimo, aqui e alhures, que a empresa vise, também, passar uma boa imagem da sua marca ao mercado consumidor.

Quanto à motivação de ordem pessoal, como parece o caso, penso que esta pode decorrer de variados fatores positivos: sensibilidade da doadora que teve contato com a condição precária do hospital, formação cultural que valoriza a filantropia, empatia com a situação, por saber, apesar de ser rica, das dificuldades que passam os pobres etc.

Por não prejulgar ninguém sem dados objetivos e por já ter tido a infelicidade, tempos atrás, de conhecer as instalações do Socorrão, superlotado e com condições mínimas de conforto, para não dizer coisa pior; e por ter tido, no ano de 1992, uma sobrinha com leucemia e que foi tratada, sem pagar nada, em um hospital americano com tratamento de ponta, mantido à custa de filantropia, por empresas, artistas e milionários, minha tendência é concluir, como já disse, de forma diversa.

Acredito que a doadora, por ser uma pessoa normal, se sensibilizou com o que viu. Até porque não é novidade, pois foi dito pela própria imprensa, antes até da mudança de administração, que as coisas ali já estavam caóticas.

No entanto, como tenho um espírito conciliador, quero crer que a maioria dos que criticaram a doação, não conhecem a realidade do hospital.

Se não for isso, temo que, além do viés cultural, tem uma conotação politico partidária que, ao fim e ao cabo, demonstra descaso para com a vida. Afinal, assim como a fome, os doentes ali internados não podem esperar que os problemas de anos, acentuados nos últimos tempos, se normalizem do dia para a noite e, dessa forma, toda ajuda, venha de onde vier, é bem vinda.

Por fim, quero lembrar aos que criticam apontando a possibilidade futura de solicitação de favores pela empresa ao Poder Público, penso que existem mecanismos suficientes para que estes cidadãos, ciosos da coisa pública, no futuro denunciem ao Ministério Público se seus medos se concretizarem; e os senhores vereadores, por certo, não descuidarão da fiscalização do executivo, função primordial dos parlamentos.

Da minha parte, coloco-me à disposição para contribuir, dentro das minhas possibilidades financeiras, e torço para que mais empresas e cidadãos contribuam, independente de qualquer coisa, com instituições governamentais ou não, com o objetivo final de melhorar a vida dos menos favorecidos.

(*) Juíza de Direito, [email protected]

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